Saturday, November 22, 2008

Dos palcos para o estúdio



No Boogaloo, criávamos nosso figurino, inspiradas no ousado guarda-roupa de Rita Lee ou das Frenéticas: desenhávamos, escolhíamos os tecidos e nossas habilidosas mães costuravam, materializando modelos que nenhuma garota tinha coragem de usar, como as roupas esquisitas que desfilam nas passarelas da moda: você já viu alguém vestindo uma delas na rua ou mesmo numa festa descolada?

Isso demonstra a liberdade que tínhamos dentro da banda.

Mas logo o sonho iria acabar...

Depois do casamento, em 1976 e do nascimento da Fernanda, também nesse ano, ainda fiquei alguns meses no Boogaloo, mas os problemas familiares me pressionaram a largar a banda. Não fiquei tão triste porque consegui comprar um piano (com a grana que ganhei do meu querido tio Aventino Agostini) e voltei a estudar música, apesar de que (como já disse em outro tópico) o curso de Composição e Regência foi decepcionante.

E também porque estava envolvida, desde 1975, com outra atividade ligada à música, a gravação de jingles. Comecei trabalhando com o estúdio número 1: Pedro Amaro Gravações, localizado no Edifício do Relógio, na Andradas esquina com a General Câmara, em frente à Praça da Alfândega.
Em frente a esse prédio, os músicos (especialmente os que tocavam em bailes) costumavam encontrar-se todos os dias, formando um grupo que ali estacionava jogando conversa fora e, obviamente, falando sobre música e dos outros músicos, também a procura de trabalho. Além de estúdios (inclusive o que abrigava a Rádio Continental), os escritórios dos empresários ficavam nesse edifício, o que atraía os profissionais da música à essa esquina.

Voltando aos jingles: desta vez, fui eu a convidar a Nara para participar de uma gravação e fomos as duas, animadas, pisar pela primeira vez num estúdio de gravações, que era pequeno mas funcionava com uma grande quantidade de produções.
Lá conhecemos o Pedro Amaro, the godfather, um educado cavalheiro com voz empostada de locutor, que nos inundou de instruções e regras detalhadas e o diretor musical, maestro Garoto, gaúcho recém-chegado de São Paulo, um arranjador competente e criativo. Ele compunha jingles com a maior facilidade e elaborava uma vocalização trabalhosa e enredada que nos fazia suar por horas até conseguirmos cantar com perfeição as harmonias dissonantes e cabeludas que nos passava.

Nara e eu já estávamos acostumadas a vocalizar, pois a maioria das músicas do nosso repertório era repleta de "segundas e terceiras vozes". Mas a Loma, a outra cantora que fazia parte do grupo, não tinha esse hábito e por isso, demorávamos mais tempo a finalizar as gravações - apesar de que sua linda voz e seu contagiante sorriso colaboravam com o positivo resultado final. Com a prática quase diária de gravar, formamos um trio afiadíssimo!

Depoimento de Pedro Amaro, sobre seu estúdio:

“Chamava-se Pedro Amaro Gravações. Foi nos anos 70. Fim dos anos 60, 70. E começamos a produzir aqui, chegou um determinado estágio que a gente fazia uma produção, se investia muito, gravava com orquestra, com cantores, com coral, do pessoal da agência, ou até dos clientes, duvidavam que fosse feito aqui. “Mas isso não pode ter sido feito aqui!” diziam. Começaram a dar valor ao nosso trabalho e o Rio Grande do Sul também ganhou com isso. Foram surgindo novos valores, novas produtoras, tecnologia avançada, com os teclados, mas nós fazíamos ao vivo com orquestra, era o som natural de uma orquestra. Hoje as produtoras utilizam um teclado que faz o som de uma orquestra numa salinha pequena.”

O trecho faz parte de uma entrevista veiculada em
http://www.pucrs.br/famecos/vozesrad/pedroamaro/integra.htm


Os músicos da Ospa eram frequentemente contratados, pois o Garoto adorava um arranjo envolvendo muitas cordas e sopros; na prática isso acabava ficando trabalhoso - afinação de violinos, muita gente participando, ao vivo (não pode errar, errou faz de novo, repete, repete, repete...) - e quando éramos chamadas para gravar, já sabíamos que ficaríamos horas lá dentro, às vezes, atravessando a noite, para que um simples jingle se transformasse numa obra de arte. Esse foi o principal motivo que fez a Nara desistir das gravações e ficamos, Loma e eu, como as principais vocalistas.

Tenho que me referir aqui também à figura prestativa, eficiente e simpática do Vargas, o braço direito do Pedro, um faz-tudo infatigável. Ele tinha o hobbie da fotografia e ninguém passava por lá sem ser clicado pro sua sempre atenta máquina fotográfica. O Vargas deve ter um álbum quilométrico com todo mundo que trabalhou, visitou ou teve qualquer contato com a Pedro Amaro Gravações. Essa foto foi ele que tirou, quando eu estava grávida da Fernanda, na recepção da gravadora:


O primeiro produto que ajudamos a vender foi a Minuano Laranjinha, mas as campanhas mais elaboradas de que participamos foram as das lojas de departamento, hoje extintas, Imcosul e JH Santos.

Criaram-se campanhas envolvendo vídeo (um vídeoclip, algo bastante arrojado para aquele momento) e o tema musical e a idéia foram de Edgar Ferretti e Wanderley Falkenberg (agência Escala): cantei o tema vestida com uma longa túnica indiana, num visual riponga, onde caminhava lentamente até me instalar numa rede (era verão: Imcosol, Imcosal, Imcosul...).

Depois veio a campanha de fim-de-ano (compras para o Natal), que usou cantores e músicos, dançando e cantando para vender os eletrodomésticos da JH Santos, uma formação inédita aqui no Sul; a Escala e a Pedro Amaro Gravações unidas, deram uma nova roupagem à propaganda gaudéria.

Minuano Laranjinha

Imcosul Verão

Foi emocionante participar desse crescimento e apogeu, fazendo parte de uma equipe que revolucionou a criação de jingles, que abusou da inventividade e investiu pesado em artistas locais (não havia - e não há - gente talentosa apenas em Rio e São Paulo...).

Em 1978, uma nova gravadora surgia em Porto Alegre, vindo suplantar o estilo Garoto de musicar os comerciais: a ISAEC entrou no mercado de jingles com tudo e para produzi-los, havia o talento de Geraldo Flach.

Detalhes no próximo tópico, certamente...

1 comment:

Alguém à bordo. said...

Pôxa! Muito rica e interessante sua trajetória... Obrigada pela visita lá no universo 70. Vejo que você também viveu intensamente essa década. Esse blog aqui tem muita história...