Tuesday, August 17, 2010

O Fim - Parte II


Marcado um ensaio no estúdio de gravações do tecladista Zé Vidal, fui direto e inocentemente ao ninho de cobras, sem levar soro antiofídico no bolso.
Cheguei de bom humor, cumprimentando efusivamente a todos e como não carregava nenhuma culpa dentro de mim, não percebi a atmosfera carregada da sala.
Sentamos e quando o silêncio se instalou, o Zé disparou:
- Voto pela saída da Kazu e do Juca. Ela, porque trouxe a polícia ao nosso encontro e poderíamos ter perdido todo o equipamento e ele porque recomendou o ônibus para o conjunto.
Fiquei meio tonta, sem entender muito bem o que estava acontecendo.
O Raul se juntou às acusações feitas pelo tecladista (os acusadores eram, justamente, os dois músicos que ficaram segurando a barra no veículo enquanto seus colegas caíam fora).
- Ela instigou o irmão para que o ônibus e o motorista fossem multados.
- Ela não deveria ter ido embora, deveria ter aguentado com todo o grupo! (E quanto aos outros que foram junto, porque também não estão sendo expulsos como cães sarnentos, pensava...) Não entendia o que tinha feito de errado.
Simplesmente, pedi uma carona ao meu irmão que estava a duas quadras de distância do pesadelo que vivíamos na estrada e acabei ajudando a quase todos que também queriam escapar.
O motorista tinha que ser punido mesmo, porque trafegar com aquele monstrengo sobre quatro rodas era um perigo que afetava não só a quem estava dentro dele, mas a todo e qualquer ser vivo nas suas proximidades.
Se o Juca indicou esse motorista, o manda chuva Raul aceitou a recomendação, certamente porque o preço devia estar bem abaixo da tabela, ou seja, houve conivência.
Enfim, os bodes expiatórios foram escolhidos e devidamente sacrificados, sem direito à defesa e sendo acusados por todos os "companheiros". Um deles, covardemente, nem compareceu à reunião.
O que mais me magoou foi a total ausência de apoio de qualquer um dos elementos, inclusive do "dono" do conjunto, Norberto Baldauf, que só ficava olhando para o chão, em silêncio (quem cala, consente).
Foram momentos aterrorizantes, como aqueles que vivemos em pesadelos e queremos acordar para fugir, mas ali era a realidade que se manifestava.
Nada do que disse conseguiu modificar a sentença que já estava definida: rua, agora!
Sem direito a nada que não fosse tomar a direção da porta.
O que mais doía era a constatação de que vivi uma mentira.
Talvez os músicos que já haviam falecido tivessem me apoiado, como o Canela ou o Touguinha (isso como simples conjectura, visto que não dá para avaliar como cada ser humano agirá em determinada situação).
Vendo que mais nada havia a ser dito, fui embora. Enquanto esperava o elevador, percebi que havia esquecido minha sombrinha. Voltei para pegá-la e nesse instante, Norberto também ia saindo e tivemos que descer usando o mesmo elevador. Ele continuava procurando alguma coisa na ponta dos sapatos, olhando firmemente para o chão, visivelmente embaraçado. Que despedida, depois de quase 25 anos de convivência...
Os dias que se seguiram foram deprimentes, não porque não fosse mais trabalhar com eles (nossa atuação diminuía de qualidade a passos largos e suportar determinadas deficiências de alguns músicos estava se tornando um fardo enorme) mas pela maneira como fui tratada. Ainda agora, enquanto escrevo, sinto mágoa e ressentimento e por isso mesmo faço isso, como forma de, finalmente, me desatrelar desse triste episódio e de todas as pessoas envolvidas.
Muitos me aconselharam a colocar o caso em processo judicial, inclusive advogados da Ordem dos Músicos, mas não seria o dinheiro que aliviaria a pressão dolorosa que sufocava a livre circulação de energias no meu corpo e na minha alma - precisaria bem mais do que pedaços de papel!

Perdi a vontade de cantar em público.
Perdi o desejo de conviver com músicos.
Ganhei um pouco mais de conhecimento sobre a natureza humana.

Monday, August 16, 2010

O Fim - Parte I

Pois é, depois de conviver com o grupo por quase 25 anos, achando que estava entre companheiros de jornada, descobri que eram piores que inimigos: eram falsos amigos!
Os dois tópicos a seguir irão servir como catarse, pois após escrevê-los, não quero mais pensar nem falar a respeito da minha injusta e ridícula saída do Conjunto Melódico Norberto Baldauf.
Aconteceu há uns 3 anos.
Íamos tocar numa cidade do interior, o que nos levaria a viajar por umas cinco horas, no mínimo. Saímos no início da tarde de um dia chuvoso. Quando enxerguei o ônibus no qual faríamos a viagem, levei um susto! Era quase um monte de sucata, velho e sujo e naquele momento, tive certeza de que estávamos em decadência...
Subi e procurei um lugar, o interior fedia e quando fui por a mala no bagageiro, minha mão encontrou uma casca podre de banana, ali esquecida há muito! Começamos a viagem, após muita reclamação em uníssono, mas como não havia nada que pudesse ser feito para mudar a situação, seguimos adiante. Logo descobrimos que o veículo não tinha limpador de pára brisas, o que, praticamente, impedia o motorista de enxergar a estrada - a chuva estava forte. Pior foi descobrir, em seguida, que os freios não estavam funcionando perfeitamente!
A viagem durou horas porque não podíamos andar rápido devido ao mau funcionamento dos freios e todos estavam nervosos porque já deveríamos estar no clube, montando o equipamento - sem contar o medo e a ansiedade pela possibilidade de acontecer um acidente a qualquer momento.
Depois de muito estresse, conseguimos chegar ao nosso destino, bastante atrasados.
O baile foi um sucesso, apesar de tudo, e ficamos prontos para a volta ao raiar do dia.
Mas, em seguida, fomos obrigados a parar na beira da estrada, em frente a um bar perdido no nada, aguardando um mecânico para consertar os freios. Parecia que o ônibus iria desintegrar-se a qualquer momento (e nós, junto com ele). Cansaço, fome (o bar tinha 2 ou 3 opções intragáveis de alimentação), mais ansiedade, inclusive dos parentes que ligavam para saber o porquê da demora.
Horas mais tarde, após um conserto provisório naquela carcaça, continuamos, doidos para chegar em casa, tomar um banho, comer, enfim, sermos tratados como gente.
Quando estávamos perto do final da viagem, o trambolho estragou outra vez, era noite e ficamos estacionados, de novo, no meio do nada, podendo até sofrer um assalto. Passava o tempo e nada acontecia, todos estavam tão cansados que não conseguiam tomar uma atitude prática ou que resolvesse o problema.
Então, percebi que estávamos próximos ao Posto da Polícia Rodoviária onde meu irmão trabalhava. Liguei para ele, que já tinha conhecimento da catástrofe pela qual eu passava e, prontamente, veio me ajudar a sair dali. Quando o carro chegou para me apanhar, todos os meus colegas saltaram fora do ônibus querendo também uma carona - foi um corre-corre de malas e sacolas, desesperados porque a garagem onde deixaram seus carros iria fechar a qualquer momento e ficariam sem eles.
No carro, todo mundo reclamou do ônibus e da irresponsabilidade do motorista (ou seria mais correto, de quem o contratou?). Mas aliviados porque logo estariam dentro de seus automóveis, indo para o aconchego do lar, deixando aquela terrível experiência para trás.
Naquele momento, todos pareciam extremamente agradecidos a mim e a meu irmão, pela oportunidade de sair do meio da estrada a tempo. A não ser, os dois músicos que tiveram que ficar no ônibus, para tomar conta do equipamento.
Justamente, os dois que me crucificaram no dia seguinte. Casualidade ou vingança?

Saibam, em breve...