Saturday, December 5, 2009

E la nave vá


Minha primeira apresentação com o CMNB foi durante a Noite do Lembra, evento que estava marcando a volta do conjunto aos palcos, depois da saída de Edgar Pozzer.
Na verdade, estava entrando para o grupo para "substituí-lo", todas as músicas do meu repertório inicial faziam parte do repertório que ele cantava ali - Piove, El dia en que me quieras, uma seleção de boleros que dividia com o Luis Otávio, algumas bossa-novas - pouca coisa, já que eu era uma "cantora convidada".

Engraçado que, depois de muitos anos atuando com eles e já tendo um repertório bem mais extenso, ainda era apresentada com o título de "cantora convidada", quando na verdade isso não tinha mais significado.

Os primeiros ensaios foram realizados no prédio da loja de móveis do Calcanhoto, o baterista - foram poucos porque o baile já iria acontecer. Fui vestida de branco da cabeça aos pés e gostei daquele clima anos 60 - o conjunto que, antigamente, rivalizava com Norberto nas festas - Renato e seu Conjunto - também apresentou-se e, incrivelmente, ainda existiam resquícios de competição no ar!

Disseram que faríamos esporádicas apresentações, talvez 3 ou 4 por ano.
Mas não esperávamos o sucesso daquele revival; o público adorou e a informação passou de boca em boca: Norberto Baldauf está tocando de novo!
Logo, começaram a pipocar os contratos com viagens por todo o Estado e quando me dei por conta, estávamos tocando todos os fins de semana! Enfim, estava voltando a uma situação da qual me julgara desligada para sempre: voltei a ser uma cantora de bailes!

Mas os primeiros anos foram compensadores, sob o ponto de vista financeiro e musical; ganhávamos muito bem por uma apresentação de quatro horas (tínhamos um diferencial, pois a maioria dos conjuntos tocava 5 ou 6 horas seguidas), principalmente porque atravessamos o período em que podíamos negociar os contratos pelo valor do dólar (bons tempos em que o real equivalia ao dólar...). Ficávamos nos melhores hotéis, comíamos nos melhores restaurantes e só tocávamos em festas chiquérrimas e com convidados VIPs.
Musicalmente, conseguimos atingir um bom relacionamento no palco e o conjunto tinha uma sonoridade própria, principalmente devido ao acordeon do Canela e ao vibrafone do Heitor - ambos os instrumentos proporcionavam um tipo de som ímpar e lembrando bastante os Anos Dourados, que era o ponto que mais atraía o público.
Os casais maduros queriam relembrar e os mais jovens, conhecer e curtir músicas do passado.
Nosso repertório era basicamente constituído por músicas dos anos 50, 60 e 70, com a execução dos clássicos desses períodos - enfim, era uma reconstituição do que eles tocavam nos anos de sucesso do início de carreira.

Apresentando-se no Le Club, clube noturno que trouxe o melhor da música para Porto Alegre

Baile na Sogipa, clube social e esportivo onde tocávamos muito

Quando esse repertório começou a modificar-se, por exigência de uma parcela do público, creio que começou a degeneração do grupo. Tocar os sucessos do momento exigia um aparato tecnológico que não tínhamos e também um swing que muitos ali também não possuíam. A primeira perda foi a saída do Luis Otávio, que caracterizava tão bem a elegância dos Anos Dourados - com aquele jeito de galã arrumadinho, um gentleman, uma pessoa generosa e boníssima - além disso, era ele quem cuidava das nossas finanças com maestria, pois também era um executivo brilhante.
Sempre irei recordar do momento em que ele preparava-se para cantar New York, New York - levava no bolso uma garrafinha de metal com um pouco de uísque e antes de interpretar essa canção, tomava alguns goles - "para ajudar a voz, limpar a garganta", dizia.
Brincávamos muito com essa mania dele, afirmando que tomava aquele uísque para criar coragem, pois New York, New York é um desafio para qualquer cantor!
Um tempo depois também saiu o Heitor, outro músico competente e pessoa igualmente agradável de se conviver - foram difíceis os primeiros bailes sem o som especial do seu vibrafone muito bem executado.

Trocamos várias vezes de baterista e cantores, entrou um novo tecladista (pois o Heitor também tocava teclados), os demais permaneceram: Norberto, Raul, Juca, Touguinha, Canela e eu.
Até que a doença arrebatou do conjunto a sua figura mais carismática, o artista maior do grupo: Vitor Canela.
Mas ele merece um post exclusivo, tal a importância da sua figura para a música, apesar de que a cultura brasileira não tem memória, muitos desconhecem a atuação e a existência desse músico notável.
Espero contribuir um pouquinho para divulgar o seu nome e obra.

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